terça-feira, 21 de julho de 2015

a fábrica de listas

Foi há uns 15 anos já, suponho eu. 
No meu alpendre assisti em show privado, ao mais assustador espectáculo interno de como se fabricam listas num grande partido. 
Recolhidos e albergados em minha casa após dia insano de contactos, um amigo meu e sua parceira - sim, assumo, um amigo porque eu acredito nas pessoas primeiro, sem cor de camisola obrigatória...- pediu guarida na velha Quinta da Raposa e por lá pernoitou, no quarto do alpendre. 
Andava a tratar das listas. Era um destacado dirigente. Respeito.
Mas deitar estava difícil. Agarrado ao tm o homem desdobrava-se em contactos estranhos. E eu sentadinho na cadeira, ouvia aquilo tudo boquiaberto, apesar de ele, por vezes, se afastar, cauteloso, para baixo de alguma laranjeira mais afastada... perdendo-se no escuro.
O diálogo era do género: trocava o 12 do Porto pelo 5º em Braga; e esse que estava previsto em Braga iria para Vila Real, pois casara com uma professora de lá; e o 7º de Viseu não tinha hipóteses portanto era melhor ir para nº 2 em Portalegre. Não tinha ninguém em Portalegre? Bom arranjava-se um tio, talvez uma avó, sei lá! O 2º de Faro era uma besta-quadrada mas a Comissão politica Nacional ou lá o q era, exigia que o gajo entrasse!... De modos que o que era para ser nº 2 ia para 8º no Porto e tambem era eleito de certeza e ninguém se ia chatear. O homem não conhecia ninguém no Porto? Ia como funcionário do Partido na delegação Norte, e pronto... 
Não dizia nomes - só números. Uma trapalhada monumental - As cunhas dos colunáveis apareciam e o "amigo" desesperava com aquilo. Palavrões, suor, papel rasgado, mais telefonemas, mº desespero... 
A coisa continuou assim ate as 3 da manhã. Eu, assustadíssimo, desisti de compreender. Fui-me deitar. Mas ao q parece é assim q funciona o mérito e a distribuição de lugares nos grandes partidos no arco do poder.
Os presidentes das hierarquias, os soberanos das cúpulas, os interesses ocultos, o arranjismo dos tachos para os submissos das sombras. "Pequenos deuses caseiros" como escreveu Gedeão... Uma caldeirada de egos, todos muito importantes...
Na manhã do dia seguinte suspirei com alívio ao ver que, talvez comprometidos pelo espectáculo confuso, prolixo e deprimente da véspera, haviam partido, discretos, deixando uma breve nota de agradecimento. E até hoje...sinceramente, nunca mais os vi. 
Perdi, portanto, ao que parece, um grande e influente amigo. Ainda bem. 
Se era aquele, no fundo, o papel dele na vida e aquela a sua ideia de politica... Descobri que eu, pelo menos, estava nos antípodas de tal malabarismo e de tal forma de ser "arranjativo".
E de certo modo, na tal manhã seguinte fiquei mais aliviado por nunca ter integrado um circo de favores tão básico, tão triste e tão deprimente.
Ser sério tem muitas desvantagens, está visto; vive-se noutra semântica; outro planeta. 
Mas dorme-se muito melhor com a nossa consciência.

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