segunda-feira, 6 de julho de 2015

Sim, Sr. Presidente


O homem bocejou, depois de almoço. Parecia alheio aos estudos e sondagens de popularidade.
Os assessores, preocupados, reuniam de urgência. Após tão publica e manifesta descrença e tão arrasadora percentagem nos jornais e televisão, impunha-se uma contra reacção urgente. Uma injecção rápida e eficaz de simpatia. Sim, era preciso fazer qualquer coisa.
O assessor 7, amaneirado e gesticulante, garantiu que o homem precisava era de um "re-styling urgente. Talvez um novo alfaiate, uma nova escolha de gravatas e peúgas. Talvez uma visita ao Eduardo Beauté. Parecia um manequim da Rua dos Fanqueiros, daquelas lojas antigas e escuras que ainda por lá resistem. Talvez ginásio, sauna, quem sabe?" - e calou-se arfando.
O assessor 8, insurgiu-se dizendo que, para polémica com alfaiates, já bem bastava a comenda do Infante atribuída ao da D Maria para ter arranjado sarilhos. E propôs uma decisão que agradasse a todos os cidadãos. Uma coisa altamente popular, consensual.
- Mas o quê ?, perguntavam-se todos. E entre-olhavam-se, derrotados de ideias, cabisbaixos. Tinham sido contratados por amizades pessoais, posição nas jotas e em agências ganhadoras e fabricadoras de êxitos. Gente bem paga, todos; mas pouco habituados ao insucesso e a ter de promover produtos estragados e sem graça.
O Assessor 21 lembrou os santos populares - que tal o Presidente ir a Alfama, muito descontraído comer sardinhas com o povo? O assessor 5 contestou de imediato, pois "tal descontracção nunca fizera parte da imagem presidencial e as experiências de comer em público sempre tinham corrido mal, desde o celebre bolo-rei que teimava em sair pelos cantos da boca e, além disso, o cheiro a sardinhas poderia incomodar a comitiva". E fez-se um silencio...
O assessor 4 interrompeu então - Umas férias nas Maldivas era uma coisa gira, sempre divertida e popular; dava um ar presidencial, moderno. Logo o assessor 23 deu um salto. Nem pensar! Para depois nos acusarem do mesmo q acusámos o outro, quando andou a cavalgar tartarugas gigantes? O país, de facto, estava em contenção - era uma manifestação de riqueza que ainda cairia pior.
- Um torneio de golfe de iniciativa presidencial, talvez? - Aventou o A25. Mas toda a gente sabe que o presidente não gosta de golfe, não acerta na bola, nem tem swing que se conheça, argumentou o A12, sempre contrariado. E seria uma iniciativa considerada elitista. Chato.
Irritado com tudo isto o A 13, - melómano furioso nas horas vagas da agência de imagem que o mantinha em out sourcing…- lançou a ideia de uma Nova Orquestra de patrocínio directo da presidência. Olharam todos de imediato para ele com um tal furor no olhar, que prontamente retirou a ideia, pois a Cultura, sabia-se, era uma área tabu na sensibilidade do Presidente. E o nome Nova a aplicar para a Orquestra também não soaria nada bem, depois do improvisado e apressado nome arranjado para o Banco Novo.
- Uma visita de Estado. Falou baixinho, sensato e sabedor. Era o mais avisado e mais velho assessor – o A 16 – que, como de costume, lançava a ideia. Todos espetaram as orelhas. Podia talvez ser. A18 entusiasmou-se e avançou logo:
- Sim, uma coisa grandiosa e de respeito. USA? Rússia? Inglaterra? Ir à Alemanha protestar a nossa velha história e heroísmo, para ver se nos aliviavam a carga fiscal? Os outros entreolhavam-se realistas. Quem iria querer receber o senhor assim de repente? Nah. E a coisa podia ser entendida como intromissão na política do Governo. - China? Lembrou o A19. Muito longe… Comem gatos e cães… a D Maria poderia intrometer-se e ser inconveniente…- disse A22.
- Talvez então a Índia? Visitar Goa, Damão e Diu, para apaziguar as feridas? Alvitrou o A20. Pois isso era genial mas…Seria polémico. O “outro” já lá tinha andado a passear de elefante! Lembrou o A15, sempre profundo conhecedor dos assuntos do Oriente.
Resultado. O melhor que se achou foi a Bulgária. E a Roménia. Agora, havia que convencer o Presidente da forte e urgente importância de visitar estes países, talvez no contexto da crise Grega. Enquadra-la como acção de Estado num âmbito mais vasto de fraternidade comunitária, como polarizador de uma amizade antiga. Claro que “se teriam de lembrar de estudar melhor tal amizade histórica, pois não havia alianças conhecidas, nem número de emigrantes significativo. Nem grande oferta empresarial, ao que parece. Uma bulgaridade…” Lembrou, sempre irónico, o Assessor 6, que estava sem falar há duas horas.
- Valia mais estar calado, sinceramente. Disse o A21. – OK, Bom quem vai falar com o homem? Escapou-lhe a protocolar incorrecção, no que foi de imediato admoestado pelo A27.
- Eu vou. Ficaram todos a admirar a coragem do A18. Sempre ele. E lá foi. Corajoso.
A capacidade argumentativa do colaborador era reconhecida entre todos. A função não poderia ficar melhor entregue. E foi.
- Bulgária? Ainda protestou o Sr. Presidente, vagamente incomodado com tão estranha terra e sua indecifrável língua. 
Repare Sr. Presidente que a nossa ligação é de longo alcance e de muito peso. Argumentou o A18.
- Serio? Você acha mesmo?! De peso?!– Ainda tentou ripostar…
- Claro que é sr Presidente. Repare só que o actual recordista nacional do peso não é mais que um gigante búlgaro que se naturalizou português… quer uma justificação com mais peso que isto? Olhe que o homem é português mas chama-se Tsanko Arnaudov!
- Oh… não me diga, nesse caso vou falar com a Maria, mas acho que é urgente ir à Bulgária agradecer, e você, concorda?
- Sim com certeza, óptima ideia, Sr. Presidente. Excelente escolha.
Saiu esfregando as mãos. Sempre queria ver as sondagens daqui a umas semanas, depois de visita tão importante, tão histórica, tão arrojada e tão destemida. E tão apropriada no quadro da crise do Euro, da problemática ecológica e do peso da ameaça do Islamismo radical; e sobretudo da ameaça de degelo das calotes polares. Grande jogada politica.

Um acto de coragem invulgar, é o que é. Vão lá agora desmentir! Sondagens garantidas.

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